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terça-feira, 5 de junho de 2012

"Entre Vista" com Pawlo Cidade / Capitães do Morro - por TACILA MENDES


foto: Julay
De 15 a 17 de junho, o público vai conferir a peça “Capitães do Morro”, no Teatro Municipal de Ilhéus, sempre às 20 horas. Esta, que á a trigésima montagem do diretor e dramaturgo Pawlo Cidade, vai contar a história de Binho, um morador da Comunidade do Morro que, após ter a mãe assassinada, se envolve no tráfico de drogas. O drama urbano se passa em um ambiente dominado pelo tráfico de drogas, sob o comando do traficante Cabeção. Também, pela primeira vez em Ilhéus, serão encenados três finais diferentes.
Após meses de preparação de dramaturgia, elenco, cenário, trilha sonora e produção, Cidade concede uma entrevista que revela elementos inusitados do processo de produção, além de contar um pouco do que o público vai ver nesse espetáculo.




 . Como surgiu a idéia de escrever a peça Capitães do Morro?
Comecei a escrever Capitães do Morro em meados de 2007. Naquele ano ele tinha o título provisório de “Pivete”. Tinha escrito apenas cinco cenas e sujeitei o texto, juntamente com um projeto chamado “Roda Pião”, que tinha como objetivo trabalhar com jovens e adolescentes em situação de vulnerabilidade social e pessoal, à Demanda Espontânea do Fundo de Cultura do Estado da Bahia. No mesmo período, um outro projeto chamado “Cangaço”, estava concorrendo no Edital de Montagem de Teatro. Resultado: os dois projetos foram aprovados. Mas, pela Lei do Fundo, só poderia optar por um. Bem, resolvi adiar “Pivete” e produzir “Cangaço”. Ganhamos alguns prêmios e dois editais. Foi uma escolha acertada (risos).

Como foi viabilizada a montagem da peça?
O FCBA é o grande financiador da peça. Sem ele, seria difícil montar este trabalho com toda esta equipe. Tivemos também alguns apoios importantes, como a Imapel, o Sindicato dos Bancários e a Fundação Cultural de Ilhéus. Vale salientar que concorremos com mais de 800 projetos, já que em 2011 não houve edital temático e todos os projetos concorreram em um único edital da Demanda Espontânea.

. Que estratégias ou ferramentas há na peça das quais você se utiliza, para levar reflexão ao público sobre os temas abordados?
Vou apresentar um instrumento que não é novo, mas, vai parecer estranho para muita gente. Estou falando do psicodrama, tão fortemente explorado na obra de Timochenco Webi (“Palhaço”, “O longo caminho que vai de zero a ene”, etc.) para explicar as idas e vindas da trama.
Outro ponto importante é o clímax, o desfecho. Se alguém resolver assistir o espetáculo três vezes seguidas, verá três finais diferentes. Nunca ninguém fez isso aqui. Na verdade, não tenho conhecimento disso na Bahia. E, por fim, foco a questão da escolha. Alerto para o fato de que todos nós temos escolhas. Você constrói seu próprio futuro, você escolhe todos os dias “matar ou morrer”. Claro que é uma força de expressão, mas esta questão é bem latente no texto.

. O contexto inicial da peça se passa nos anos 80. Porque decidiu escrever um texto nesse contexto e não em um contexto mais atual?
Foi uma escolha pessoal. Os anos 80 teviveram um significado particular em minha vida; os anos 90 também. O espetáculo se desenrola durante duas décadas.

. Como foi realizada a pesquisa sobre os comportamentos e as expressões utilizadas nos morros daquela época?
Você já ouviu falar nos Smurfs? Pois é, é assim que alguns universitários chamam o Google (risos). Eu li muito. Mas, teve um livro que me impressionou bastante: “Comando Vermelho: a história secreta do crime organizado”, do jornalista Carlos Amorim. Ele descreve com detalhes como esta facção surgiu no Rio de Janeiro. Inclusive, o nome verdadeiro do personagem “Muderno”, surgiu daí; Li também MV Bill, falando sobre os facões e as mulheres do tráfico; vi ainda a história do PCC, por Percival de Souza; Caco Barcellos, com seu “Abusado” e os livros sellers de André Batista e Rodrigo Pimentel: “Elite da Tropa 1 e 2”.



o diretor Pawlo Cidade explicando a cena para o elenco
. Na peça, você dirige 14 atores, sendo que alguns dão vida a mais de um personagem. Quais foram os critérios utilizados para a escolha do elenco? 
Toda vez que eu resolvo montar um espetáculo, sempre penso na possibilidade de dar oportunidade a quem não faz parte de nenhum grupo. Alguns atores foram convidados, outros passaram por uma audição. Eu defino o elenco a partir de dois focos: o primeiro é o perfil; o segundo é a postura de palco. Foi assim que eu defini a personagem para cada um.

. O elenco passou por uma preparação corporal e vocal durante quase dois meses.  De que forma isso se reflete na atuação dos atores?
A preparação ajuda na concepção da personagem. Se o ator compreende e aprende a usar as técnicas que vivencia, consegue naturalizar a personagem. O ator ou a atriz tem que fazer com que a plateia veja a personagem, não o ator/atriz em cena. Ele tem que sair de cena e as pessoas ainda acharem que ele está lá. Sair e entrar em cena é um processo que exige muita técnica, muita preparação, muita organicidade. Quando, por fim, o ator percebe isso, que entra no palco é a personagem, não o ator.

. No blog da peça, você conta que a trilha sonora será feita por D’Jesus, rapaz que trabalha no centro de Ilhéus como flanelinha. Essa escolha se deveu ao realismo que você quer conferir ao espetáculo?
Também. Mas, vejo isso ainda como forma de poder tornar visível um artista invisível. Não é meu papel financiar ou produzir um trabalho de D´Jesus, mas de uma política pública de cultura que valorize o artista local. Nós ainda estamos carentes disso. Quero ver D´Jesus, na primeira fila, assistindo o espetáculo; quero que ele reflita sobre o processo de escolha que a peça remete; vou convidar todos os flanelinhas que eu conheço para assistir ao espetáculo.

. No contexto de centenário de Jorge Amado, pode-se dizer que existe alguma semelhança entre “Capitães do Morro” e o romance “Capitães de Areia”?
Não. Não existe nenhuma semelhança entre a obra de Jorge com o trabalho de Pawlo. Jorge é Jorge e Pawlo é Pawlo. Mas, há uma cena que a personagem interpretada por Andréa Bandeira fala do livro. É uma homenagem. Assim como também é uma homenagem o nome “Pedro Bala”, dado ao personagem principal na segunda fase do espetáculo.

. A peça tem três finais diferentes, e cada um será encenado em um dos três dias de apresentação. De onde veio a ideia de dividir a finalização dessa forma?
Da temática da peça. O tema central é a escolha; o pano de fundo é o domínio do tráfico. Nem sempre, tudo que está bem, acaba bem. É um paradoxo, mas a vida é assim. Você tem que pedir a Deus todos os dias que te livre de uma bala perdida. Ou você pensa que estamos imunes às adversidades? 

Para saber mais sobre a peça "Capitães do Morro", acesse: http://www.capitaesdomorro.blogspot.com.br/


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Tacila Mendes, 26 anos, é comunicóloga e especialista em  Audiovisual pela Universidade  Estadual de Santa Cruz.   Além de fotografar e dar aulas nesta área, se envereda pela produção cultural da região, escrevendo projetos  para captação de recursos e trabalhando  também como assessora de imprensa.  Fez parte da equipe da 1ª e da 2ª MUSA –  Mostra Universitária Salobrinho de Audiovisual;  do projeto Afrofilisminogravura; do 1º Festival de Cinema Baiano - FECIBA; o Bahia Sound System e do Memórias do rio Cachoeira.
 Gosta também de cantar e faz parte do projeto "Mulheres em Domínio Público", do qual é uma das quatro intérpretes.  Foi eleita Conselheira Municipal de Cultura de Ilhéus no setor de Audiovisual (2011).
 Como gosta de conhecer gente, seus estilos e formas de pensar, lugares e tudo que lhe parece diferente e interessante, propõe um papo "Entre Vistas" a fim de descortinar esses mundos...

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