foto: Julay |
De 15 a 17 de junho, o público vai conferir a peça
“Capitães do Morro”, no Teatro Municipal de Ilhéus, sempre às 20 horas. Esta,
que á a trigésima montagem do diretor e dramaturgo Pawlo Cidade, vai contar a história de Binho, um morador da Comunidade do Morro que,
após ter a mãe assassinada, se envolve no tráfico de drogas. O drama urbano se
passa em um ambiente dominado pelo tráfico de drogas, sob o comando do
traficante Cabeção. Também, pela primeira vez em Ilhéus, serão encenados três
finais diferentes.
Após meses de preparação de
dramaturgia, elenco, cenário, trilha sonora e produção, Cidade concede uma
entrevista que revela elementos inusitados do processo de produção, além de
contar um pouco do que o público vai ver nesse espetáculo.
. Como surgiu a idéia de escrever a peça Capitães do
Morro?
Comecei a escrever
Capitães do Morro em meados de 2007. Naquele ano ele tinha o título provisório
de “Pivete”. Tinha escrito apenas cinco cenas e sujeitei o texto, juntamente
com um projeto chamado “Roda Pião”, que tinha como objetivo trabalhar com
jovens e adolescentes em situação de vulnerabilidade social e pessoal, à
Demanda Espontânea do Fundo de Cultura do Estado da Bahia. No mesmo período, um
outro projeto chamado “Cangaço”, estava concorrendo no Edital de Montagem de
Teatro. Resultado: os dois projetos foram aprovados. Mas, pela Lei do Fundo, só
poderia optar por um. Bem, resolvi adiar “Pivete” e produzir “Cangaço”.
Ganhamos alguns prêmios e dois editais. Foi uma escolha acertada (risos).
. Como foi viabilizada a montagem da peça?
O FCBA é o grande
financiador da peça. Sem ele, seria difícil montar este trabalho com toda esta
equipe. Tivemos também alguns apoios importantes, como a Imapel, o Sindicato
dos Bancários e a Fundação Cultural de Ilhéus. Vale salientar que concorremos
com mais de 800 projetos, já que em 2011 não houve edital temático e todos os
projetos concorreram em um único edital da Demanda Espontânea.
. Que estratégias ou ferramentas há na peça das
quais você se utiliza, para levar reflexão ao público sobre os temas abordados?
Vou apresentar um
instrumento que não é novo, mas, vai parecer estranho para muita gente. Estou
falando do psicodrama, tão fortemente explorado na obra de Timochenco Webi
(“Palhaço”, “O longo caminho que vai de zero a ene”, etc.) para explicar as
idas e vindas da trama.
Outro ponto
importante é o clímax, o desfecho. Se alguém resolver assistir o espetáculo
três vezes seguidas, verá três finais diferentes. Nunca ninguém fez isso aqui.
Na verdade, não tenho conhecimento disso na Bahia. E, por fim, foco a questão
da escolha. Alerto para o fato de que todos nós temos escolhas. Você constrói seu
próprio futuro, você escolhe todos os dias “matar ou morrer”. Claro que é uma
força de expressão, mas esta questão é bem latente no texto.
. O contexto inicial da peça se passa nos anos 80.
Porque decidiu escrever um texto nesse contexto e não em um contexto mais
atual?
Foi uma escolha
pessoal. Os anos 80 teviveram um significado particular em minha vida; os anos
90 também. O espetáculo se desenrola durante duas décadas.
. Como foi realizada a pesquisa sobre os
comportamentos e as expressões utilizadas nos morros daquela época?
Você já ouviu
falar nos Smurfs? Pois é, é assim que alguns universitários chamam o Google
(risos). Eu li muito. Mas, teve um livro que me impressionou bastante: “Comando
Vermelho: a história secreta do crime organizado”, do jornalista Carlos Amorim.
Ele descreve com detalhes como esta facção surgiu no Rio de Janeiro. Inclusive,
o nome verdadeiro do personagem “Muderno”, surgiu daí; Li também MV Bill,
falando sobre os facões e as mulheres do tráfico; vi ainda a história do PCC,
por Percival de Souza; Caco Barcellos, com seu “Abusado” e os livros sellers de André Batista e Rodrigo
Pimentel: “Elite da Tropa 1 e 2”.
o diretor Pawlo Cidade explicando a cena para o elenco |
. Na peça, você dirige 14 atores, sendo que alguns
dão vida a mais de um personagem. Quais foram os critérios utilizados para a escolha
do elenco?
Toda vez que eu resolvo montar um
espetáculo, sempre penso na possibilidade de dar oportunidade a quem não faz
parte de nenhum grupo. Alguns atores foram convidados, outros passaram por uma
audição. Eu defino o elenco a partir de dois focos: o primeiro é o perfil; o
segundo é a postura de palco. Foi assim que eu defini a personagem para cada
um.
. O elenco passou por uma preparação corporal e vocal
durante quase dois meses. De que forma
isso se reflete na atuação dos atores?
A preparação ajuda
na concepção da personagem. Se o ator compreende e aprende a usar as técnicas
que vivencia, consegue naturalizar a personagem. O ator ou a atriz tem que
fazer com que a plateia veja a personagem, não o ator/atriz em cena. Ele tem
que sair de cena e as pessoas ainda acharem que ele está lá. Sair e entrar em
cena é um processo que exige muita técnica, muita preparação, muita
organicidade. Quando, por fim, o ator percebe isso, que entra no palco é a
personagem, não o ator.
. No blog da peça, você conta que a trilha sonora
será feita por D’Jesus, rapaz que trabalha no centro de Ilhéus como flanelinha.
Essa escolha se deveu ao realismo que você quer conferir ao espetáculo?
Também. Mas, vejo
isso ainda como forma de poder tornar visível um artista invisível. Não é meu
papel financiar ou produzir um trabalho de D´Jesus, mas de uma política pública
de cultura que valorize o artista local. Nós ainda estamos carentes disso.
Quero ver D´Jesus, na primeira fila, assistindo o espetáculo; quero que ele
reflita sobre o processo de escolha que a peça remete; vou convidar todos os
flanelinhas que eu conheço para assistir ao espetáculo.
. No contexto de centenário de Jorge Amado, pode-se
dizer que existe alguma semelhança entre “Capitães do Morro” e o romance
“Capitães de Areia”?
Não. Não existe
nenhuma semelhança entre a obra de Jorge com o trabalho de Pawlo. Jorge é Jorge
e Pawlo é Pawlo. Mas, há uma cena que a personagem interpretada por Andréa Bandeira
fala do livro. É uma homenagem. Assim como também é uma homenagem o nome “Pedro
Bala”, dado ao personagem principal na segunda fase do espetáculo.
. A peça tem três finais diferentes, e cada um será
encenado em um dos três dias de apresentação. De onde veio a ideia de dividir a
finalização dessa forma?
Da temática da
peça. O tema central é a escolha; o pano de fundo é o domínio do tráfico. Nem
sempre, tudo que está bem, acaba bem. É um paradoxo, mas a vida é assim. Você
tem que pedir a Deus todos os dias que te livre de uma bala perdida. Ou você
pensa que estamos imunes às adversidades?
Para saber mais sobre a peça "Capitães do Morro", acesse: http://www.capitaesdomorro. blogspot.com.br/
_________________________________________
Tacila Mendes, 26 anos, é comunicóloga e
especialista em Audiovisual pela Universidade Estadual de Santa
Cruz. Além de fotografar e dar aulas nesta área, se envereda pela
produção cultural da região, escrevendo projetos para captação de
recursos e trabalhando também como assessora de imprensa. Fez parte
da equipe da 1ª e da 2ª MUSA – Mostra Universitária Salobrinho de
Audiovisual; do projeto Afrofilisminogravura; do 1º Festival de Cinema
Baiano - FECIBA; o Bahia Sound System e do Memórias do rio Cachoeira.
Gosta também de cantar e faz parte do projeto
"Mulheres em Domínio Público", do qual é uma das quatro
intérpretes. Foi eleita Conselheira Municipal de Cultura de Ilhéus no
setor de Audiovisual (2011).
Como gosta de conhecer gente, seus estilos e
formas de pensar, lugares e tudo que lhe parece diferente e interessante,
propõe um papo "Entre Vistas" a fim de descortinar esses mundos...
Nenhum comentário:
Postar um comentário